MANGUINHOS

O Fórum Social de Manguinhos:

breve histórico da trajetória de um sujeito coletivo em construção.

Manguinhos cresceu nos interstícios do maior eixo rodoviário metropolitano do Estado do Rio de Janeiro, em sua capital, próximo à zona portuária. Nasce no início do século XX, às margens do ramal ferroviário da Leopoldina.

Esta região de planície alagadiça é atravessada pelos rios Faria-Timbó e Jacaré, que deságuam no Canal do Cunha, o qual, por sua vez, desemboca na Baía de Guanabara. Esta sub-bacia é a mais poluída de todas as contribuintes da Baía de Guanabara.

Os sucessivos aterros da região insular para a formação da Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir da década de 1920 , agravaram a situação das enchentes, que compõem a memória/imaginário de Manguinhos. O desmatamento das nascentes dos rios citados e outros menores desta sub-bacia, na Serra da Misericórdia (última área verde desta região), também contribuiu com este quadro.

A própria formação do que também se chama Complexo de Manguinhos derivou da reunião de nove comunidades em uma luta comum contra as enchentes e por infraestrutura social e urbana. Manguinhos surgiu de um processo heterogêneo de ocupação precária deste território, induzido, muitas vezes, pelos poderes públicos, inclusive em áreas de risco, com o assentamento provisório, depois tornado permanente, de famílias removidas de áreas mais nobres da cidade. As comunidades de Manguinhos surgiram do processo, não menos heterogêneo, de enfrentamento das precárias condições de urbanização e moradia.

No diagnóstico sobre o bairro produzido pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro para a elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbanístico (PDU) de Manguinhos , e que utilizou o Censo 2000, consta que, considerando apenas a área habitada e subtraindo áreas industriais e de serviços, o bairro está na faixa das mais altas taxas de densidade da cidade. É também uma das áreas com maior crescimento populacional - 20%, entre os 1991 e 2000. A partir de dados do censo IBGE(2000) , do Instituto Municipal Pereira Passos, do censo PAC Empresarial do Complexo de Manguinhos (2009) e do censo PAC Domiciliar do Complexo de Manguinhos (2009), elaborados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, além do cálculo da taxa média anual de crescimento populacional estipulada para o bairro, o ETM/ENSP- APS/FIOCRUZ aponta hoje para, aproximadamente, 35.000 mil pessoas residindo no bairro de Manguinhos e para, aproximadamente, 48.500 pessoas residindo no Complexo de Manguinhos.

A região norte do Rio de Janeiro concentra sete entre os dez últimos bairros da cidade pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH 1991-2000). Manguinhos está entre os cinco últimos, com IDH de 0,726. A região que compreende Manguinhos e o Complexo do Alemão é reconhecida, pelos meios de comunicação dominantes, como “Faixa-de-Gaza” (em alusão à violência do conflito judeu-palestino no Oriente Médio).

O Fórum do Movimento Social para o Desenvolvimento Eqüitativo e Sustentável de Manguinhos (FMSDES) nasceu em uma série de debates, seminários, assembléias, mobilizações e ações culturais do movimento Agenda Redutora das Violências no Local (ARV). Este desenvolveu um sistemático esforço contra o que considera um contexto de fragmentação induzida do tecido social, e conseguiu articular diversos atores sociais - moradores de Manguinhos, associações de moradores, de mulheres, organizações educativas, culturais, de juventude, cooperativas de trabalho, de artesanato, sindicatos como dos servidores da Fiocruz.

As reuniões ocorrem semanalmente, normalmente com mais de 50 pessoas, integrantes de diferentes associações e organização. A discussão enfrenta agenda das mais variadas, focalizando todas, de alguma maneira, o que o Escritório Técnico Multiprofissional da FIOCRUZ(ETM/ENSP-APS/FIOCRUZ), junto a movimentos sociais e organizações de base, qualificam como território de exceção- um “estado de exceção, não declarado legalmente, mas territorializado no cotidiano de seus moradores e trabalhadores..., aonde efetivamente existe a exclusão de direitos civis, políticos e sociais para a maioria de seus moradores”(Bueno, 2008, p. 2)** .

Desenvolveram-se estratégias várias de enfrentamento da situação de exceção e violência, culminando com um ato público - “Caminho da Paz com Garantia de Direitos”. Como objetivo maior, a transformação da “Faixa de Gaza” em uma área de lazer, com atividades culturais e aptas a engendrar processos identitários e de pertencimento.

O protagonismo da sociedade civil local não excluiu, antes pelo contrário, estimulou a busca ativa de alianças com órgãos públicos e instituições privadas, que também contribuíram para a organização do evento. “O Caminho da Paz” já teve três edições, reunindo cerca de cinco mil pessoas a cada vez.

As articulações também favoreceram a constituição de um Conselho de Desenvolvimento Regional Sustentável. Este, porém, parece ter sido incapaz de suplantar dois obstáculos principais: a dificuldade dos agentes públicos e privados em assumir um posicionamento frente à questão da violência institucionalizada (em específico, frente à violência policial) e a forma de organização do tecido social local.

Em 2006, o movimento Agenda Redutora das Violências em Manguinhos – ARVM - já havia definido sua diretrizes gerais:

? Ter como objetivo e ethos a defesa e garantia de direitos, com foco no direito à vida;

? Afirmar, propagar e defender a associação inseparável da promoção dos direitos sociais em geral como elemento central de qualquer esforço voltado à redução das violências e promoção da saúde.

Neste mesmo ano, o Fórum de Ação Contra a Violência dos Servidores da Fiocruz, diante das pressões sociais pelo acirramento da ‘guerra contra a criminalidade’, reafirmou uma plataforma na qual o saneamento básico e a habitação saudável é bandeira de luta prioritária, numa tentativa de redefinir os termos do debate sobre e da luta contra a(s) violência(s).

Com o lançamento do PAC, houve a aceleração do processo de reorganização do movimento social em torno de um projeto coletivo. Houve, porém, também, um aguçamento das contradições internas à comunidade, tornando visíveis os vetores que tendiam à manutenção do paradigma calcado no binômio domínio de territórios fragmentados/clientelismo político.

Para enfrentar este cenário, o Fórum se construiu de forma pluralista – tomando as territorialidades como elemento de afirmação de uma identidade sóciocomunitária abrangente, que reconheça seus sentidos e seja capaz de resignificá-los no âmbito das possibilidades de formação contemporâneas.

É com estes antecedentes que, em março de 2007, nasceu o Fórum do Movimento Social de Manguinhos para o Desenvolvimento Eqüitativo e Sustentável (FMSDES), uma organização autônoma e horizontal da sociedade civil que tem como razão de ser a ativação da cidadania direta para a promoção, defesa e garantia dos direitos sociais.

Em 2008, o FMSDES apresenta a proposta de formar, oficialmente, um comitê local de acompanhamento da implementação do Programa de Aceleração do Crescimento(PAC/Favelas) no Complexo de Manguinhos, com o intuito de garantir uma participação popular efetiva e com poder de decisão na política pública destinada ao território. A proposta, entretanto, não é oficialmente reconhecida pelo poder público, que não apresenta justificativa clara para tal decisão.

O desafio do Fórum, segundo um militante, é a “elevação do status político dos atores sociais de Manguinhos, historicamente minorizados, como sujeitos de direitos”

A questão que o Fórum se coloca é a da promoção do protagonismo da população na construção de um outro modelo de desenvolvimento, equânime e sustentável, em um espaço urbano favelizado, densamente povoado e caracterizado por altas taxas de vulnerabilidade socioambiental, provenientes do modelo de desenvolvimento capitalista.

O Fórum do Movimento Social de Manguinhos tem favorecido uma relação mais próxima de construção compartilhada do conhecimento, integrando redes sócio-comunitárias em grupos de trabalho temáticos que contam com a participação de técnicos e pesquisadores, principalmente da Fundação Oswaldo Cruz, para a análise coletiva dos cenários em questão, contribuindo também para a ampliação da área de interação do Fórum com redes abrangentes de reforma urbana e de direitos humanos entre outras.

Os militantes do FMSDES

Assista aqui entrevista com Fernando Soares sobre o Fórum Social de Manguinhos, o PAC e a luta dos moradores:

Parte 1:

Parte 2:

Parte 3:

Assista entrevista com José Leonídio Madureira de Souza Santos feita em julho de 2011 sobre as políticas, as resistências, conflitos e movimentos em Manguinhos:

Parte 1:

Parte 2:

Parte 3:

Parte 4:

Na madrugada do dia 17 de outubro de 2013, policiais da UPP de Manguinhos assassinaram o jovem Paulo Roberto Pinho de Menezes. No dia seguinte, durante o velório de Paulo Roberto, funcionários da Fiocruz e de outras instituições de ensino e pesquisa seguiram para Manguinhos para expressar a revolta com a ação policial. Acompanhe a manifestação nos vídeos abaixo: